18 agosto 2016

Fuga

Não corro por campos de milho, porque as folhas cortam. Vadio no mato, renascido das cinzas esquecidas, as árvores são novas e as outras tem cicatrizes do pânico arbóreo. Aqui ninguém passa há muito tempo, as teias de aranha na cara são prova de passos virgens, e quando não mais consigo subir, paro, reflito, e olho, à volta e para dentro.
É uma festa de aniversário tripla, vieram de longe para a ocasião, estamos juntos, e eu, como sempre só. O poliglotismo revela origens díspares.
Ao terceiro tempo e depois de alguma contemplação da vista e do mar ao longe decido descer montanha abaixo, pela aldeia de ares medievais, marcando pontos de referência aqui e acolá, pensando no retorno por vielas de calhaus tortos e muros de granitos empilhados, fontes de água de torneira, e vivendas amplas cujas considerações internas ficam ao sabor da criatividade dos demais que as habitam, normalmente emigrantes na França.
Chegado à praia, (passando ao lado dos campos de milho que não se passam através, pois que as folhas cortam como papel), repleta de arestas rochosas com lapas, caranguejos escondidos, algas e marés.
Se no mato da montanha fui obrigado ao voltar para trás, pelo mesmo caminho pela falta de opção, aqui a história é diferente.. da casa vejo o mar, da praia presumo a direção.
Perdido na encruzilhada da aldeia de Areosa, subo pela encosta de casas recuperadas pelos emigrantes e nos caminhos tortos amuradas por gente antiga.
Finalmente encontrado no alto mais vertiginoso, o lar.

16 agosto 2016

Monge

O hábito faz o monge, diz o sempre sapiente povo. A arte é aperfeiçoamento, retorco eu. E o que tem isto a ver com droga, perguntam vocês?!
- Aquando da nossa vida, realidade ou todo e qualquer elemento circunstancial de tempo e/ou espaço, gira em torno da Heroína, tudo é cíclico, hábitos são ociosos, e o ócio, é o Diabo!
O combate ao hábito, vício ou ciclo de fumar Cavalo, é feito de pequenos passos, de pequenas vitórias, e de pequenas conquistas em batalhas celebradas como se de guerras fossem.
Dia após dia, e o mesmo para as semanas determino o resultado de abstinência heroínica. Quando caio, sinto me parvo. E seguindo o contexto; derrotado na minha fraqueza emocional.
Todas as 4as feiras, vou ao Centro de Respostas Integradas, onde sou acompanhado profissionalnente, e de onde trago a metadona e faço análises à urina, de modo a despistar heroína no organismo.  (demora 3 a 5 dias, dependendo de uma série de factores tais como metabolismo, ingestão de líquidos, entre outros)
Tudo isto, estas palavras, pensamentos, porquê?
-HOJE É 4A FEIRA! E eu sou um parvo.
Tenho o hábito de não ser monge, e de romper com paradigmas e comportamentos. O que dá azo a desculpas esfarrapadas, e justificações idioticas, qualquer pretexto serve para voltar a errar. 

04 agosto 2016

Vergonha e Orgulho

Há duas coisas que não tenho orgulho de ter vergonha. A outra é não vergonha de ter orgulho. Para além do jogo semântico, em que a realidade é exposta por prosas que rimam, esconde se a verdadeira simbiose em mim destes dois elementos circunstanciais de personalidade. O que é a vergonha, senão aquele sentimento que nos ocorre aquando queremos dançar, e não o fazemos. Está muita gente a olhar, e o medo do escárnio alheio, faz das suas. O orgulho por sua vez, é quando sentes uma felicidade, digamos, efémera de uma acção gloriosa, e sentes ufano, tal balão com hélio, mais leve que o ar. Ou seja escárnio e efémera.
Nem um nem outro!
A falta de vergonha já me alimentou, e nunca o contrário. Talvez as oportunidades que nunca saberemos se perdemos por ter mostrado um pouco de pudicidade, em determinadas ocasiões de etiqueta ou classe.
Já a falta de orgulho mostra se, na falta de objetivos e da concretização da mesmos. Para o caso o facto de ter conseguida trazer a metadona para casa todas as semanas, fez com que a minha mae, que envolvi no processo de desmame, ficasse orgulhosamente vaidosa. E essa é outra, a vaidade.
A vaidade é pouco mais que pó.