23 maio quadragésimo quarto aniversário

 Conto 14 anos de caroxisse, 44 de vida.

Festa patrocinada pela minha querida mãezinha, na casa do meu velhote, local de encontro habitual. 

O ultimo ano foi pautado, sobretudo por venda de cavalo num circuito fechado de conhecidos que me compram cavalo inflacionado pela circunstancia de lugar, com a venda feita em casa no meu estudio, onde idem tatuo, de forma a que me seja sustentado o meu consumo.

A partir de certa altura, decidi que havia de consumir tudo o que me apetecesse, sem pensar em contas e despesas, e inclusivé, após estar quase 5 anos sem dar na garrafa, recomecei de forma recreativa a fumar coca, chegando a gastar a certa altura, mais do que deveria, mas sempre com o medo do exemplo dos outros, que se deixavam levar pela branca e foderam o negócio todo. Eu também a dada altura, já andava em cada ida á "boca", fazer conta com a branca.

E os outros estavam, também a fazer conta e eu por influencia, também fazia conta deles fazerem conta. A dificuldade tem sido parar os consumos a cada volta, de branca, digo. 

A dada altura a brincadeira começou a cansar, as preocupações, com chibos, com a chance de ser roubado, dos fiados, da bófia, os vizinhos, os nervos, a tosse, a despreocupação e a preocupação, teve de parar. Uma semana.. a unica fonte de rendimento vir da venda de quartas, dá azo a um ciclo vicioso. Nem tenho tatuado como deveria, pois nunca me sinto a vontade da responsabilidade de deixar uma marca permanente na pele de alguém estando eu sob a influencia.

relações interpessoais toxicas amizade e amor

Acerca das relações inter pessoais na caroxisse

7horas da matina, e já recomeça a maluqueira. entre bolsas, 1/4s, 1/2s de branca, de escura, as pratas os isqueiros sempre sem gás, o comboio e os expressos. E a ponte do Tejo, por cima, por baixo, de um lado e outro.

O vizinho e companheiro de "viagens" trata de levar a minha pequena á escola, confio nela o suficiente, dada a educação dada tanto por mim, como pela mãe. A menina está comigo agora a maior parte das vezes.. Tem 13 anos, uma inteligencia emocional acima da média, e deve de estar farta idem de ouvir as pratas a soar. Não lhe escondo nada, embora com filtros, conto lhe a verdade de alguns factos, e acompanha o entra e sai de casa do circulo fechado com o qual mantenho as contas e consumos pagos.

Neste mundo, ao qual chamo cão, é me dificil manter as relações com os demais toxicos, nunca me identifiquei com o que nos une na condição de adictos. Desde que andava ao "cobre", ao andar no parque de estacionamento a vender senhas de parqueamento, ligeiramente diferente de arrumar carros, a viver de feiras e vender livros e discos, seja no pequeno trafico, sempre só. As mulheres que andam na vida da caroxisse, são poucas as que mantêm escrupulos e alguma auto estima, sobretudo ao falar de coca ou crack, mulheres agarradas á branca, são do piorio, desde vender sexo por um bafo, até vender o corpo por um bafo.. Os homens facilmente esquecem a higiene, e descuram o aspecto fisico e no limite e ao viver na rua, a roupa com que se deitam no chão pisado, é a roupa com que se mostram em publico, o chapéu e os ténis sujos aliados a uma barba enrastada, e um odor corporal cujo inverno disfarça são imagem de marca. 

Eu nao me posso desleixar, não uso roupa suja ou usada mais que 1 dia, tenho pouco pelo na venta e não gosto de fazer o bigode ou os poucos pelos na face com laminas por tal uso maquina de cortar cabelo, tomo banho com regularidade e mantenho um lar, onde possa cohabitar com a mina filha (que não tem culpa das minhas escolhas nem tem de conviver com tais caroxisses) e possa exercer o meu serio hobby de tatuar. 

A recente escolha pela induçao em metadona, permitir-me-á viver de forma mais regular, e com consumos regulados..(dont get high on your own supply)

Deve ser a 6ª vez que entro para programa de metadona, tive 2 vezes na UDA, e uma vez em programa de buprenorfina ou subotex. Para além das paragens forçadas, que idem, foram uma quantas. Sendo a ultima há menos de 1 ano em que no pico da ressaca ou seja 48 a 72 horas de abstinencia até dava saltos na cama, tal não eram os consumos. Sorte foi haver uma receita médica de alguns medicamentos que aliviaram os sintomas, dada á mãe da minha pequena, minha amiga e confidente duma vida caroxa emigrada e cuja cumplicidade tóxica nos une, pelas peripécias unicas juntos, e minha mãe que se dispôs a ajudar me,(pela ultima vez) a ir buscar a receita e cuidar do que sobrava de mim entre diarreias e vómitos e pulos na cama desfeita pela inquietude fisica.

Ou seja, a experiencia da toxicodependencia é algo pessoal, como uma viagem por sitios onde nunca estivemos e que pelo qual sozinhos experienciamos. Se calhar, por tal, não tenha paciencia para ouvir lamentos alheios, e dada a natureza da relação com quem sou "forçado" a lidar. Ao vender tenho o poder da alavancagem na relação que o pequeno trafico me dá.

porque hoje é sexta feira

 

Na verdade tou cansado desta vida de caroxo, perdi a conta das vezes que tentei deixar de consumir.

A titulo de exemplo não bebo alcool ha 6 anos, e estive sem fumar coca 4 ou 5 anitos. aquando da primeira ida para a UDA percebi o que 

era o vicio do alcool, rapazes nos vintes e pouco fisicamente torcidos e sem força, psicologicamente enfraquecidos, pois a realidade

o alcool é uma droga perigosa pela aceitação social e disponibilidade circunstancial, ou seja, em qualquer esquina há um sitio onde se vende livremente e, com menos de 1 euro pode-se beber um bagaçinho, ou um shot de tinto. 

Na minha relação com a coca cozida (ver link), ou crack, estive imenso tempo a ver fumar a meu lado e a repetir para mim mesmo que não gostava( de facto gosto, mas nao sabia lidar com a falta, tal a ansiedade que surgia em mim, ansioso por natureza que sou.

Numa viagem á da Tia, onde perdi transporte para regressar de Almada para Évora, resignei me a passar a noite em sua casa, e nessa ocasião resolvi aceitar dar um bafinho para matar saudades duma boa "garrafada", ora assim foi, sobrava me dinheiro e com bilhete de comboio pago para regressar na manhã seguinte, pedi á Tia para ir buscar uma 1/2g para nós, que seria a noite onde eu iria curtir umas gasosas, e mais 1, e mais outra, e por aí fora até gastar o resto de dinheiro que ainda me sobejava.

Desde então e já lá vão 7 meses, a cada vez que me vou orientar fora do local onde vivo, faço sempre conta com umas 2 ou 3 1/2´s gramitas de branca feita.

Mas tenho medo dela, pois eu tal como muitos de nós temos a tendencia para fazer muito aquilo que gostamos, tal hedonismo! Mesmo que nos seja prejudicial, o prazer endorfinico sobrepõe se á vontade de nao o fazer. A branca na garrafa é fudida! Mas se tivermos cavalo para amoinar, é perfeito! a ansiedade não é tão insuportavel, e o flash que o bafo provoca é unico, dificil é arranjar boa coca e sobretudo bem cozida.. ou é sintetica, ou vem muito cortada, ou vem com muito amoniaco o que nos rebenta o sistema respiratório.( há uns aninhos atrás, fiquei com uma mancha num pulmão por causa duma branca mal cozida provavelmente mal seca. Quando isso acontece abrir um saco de branca feita e tiver um cheiro muito intenso a amoniaco pode ser lavada com agua, o processo é simples e semelhante ao processo de cozedura mas com menos calor e uma gotas de agua na colher de modo a diluir o excesso de amoniaco.

Mas a minha cena é mesmo cavalo, gosto mesmo. Quando vim da clinica da ultima vez fumava e fazia 4 coisas ao mesmo tempo lia a biblia, debatia terra plana nas redes sociais, desenhava, enquanto fazia o jantar.. agora fumo e não faço um caralho. E embora saiba que não me posso deixar levar, e desleixar me a todos os niveis pois tenho responsabilidades e uma cria que depende de mim. Coisas tão simples como tomar banho, arrumar a casa, ir as compras, cuidar da cria adolescente e ter tempo para lhe dar atenção. Tenho casos de amigos que faziam o mesmo estilo de vida de que eu, mas que vivem na rua ha 3 anos, e que se estão a cagar para o seu aspecto fisico, o odor corporal e que já desistiram da vida. Luxo qual eu não me permito. E aqui existe uma situação delicada, somos todos TOXICODEPENDENTES, mas não somos todos iguais. Partihamos a mesma condição, mas o ego a mim não me permite roubar, prejudicar alguém directamente, para que eu possa satisfazer o meu vicio, já outros roubam, mentem, não comem, vendem o corpo até, em casos extremos diria.

Dentro das poucas pessoas com quem lido neste mundo, há os que conseguem manter o status quo com trabalho assente em carreiras profissionais, gerem familias e relações sociais escondendo a tal condição, e no oposto existem os que pedem na rua e como já referido vendem o corpo. Logo e apesar de termos a mesma condição patológica, pois sejamos sinceros isto é uma doença crónica. E o estigma é muito, e a desinformação ainda maior. A toxicodependencia não escolhe idades, estratos sociais, genero, ou cultura basta haver oportunidade aliada a uma predisposição genética para o abuso hedónico, e a escolha do prazer quimico, pela libertação de endorfinas pelo uso de drogas.

O problema do uso a longo prazo será o nosso organismo deixar de libertar endorfinas sem apoio "externo", e o sentir vazio aquando do deixar de usar. O que acontece com frequencia é substituir drogas por alcool, por sexo, ou por outros meios de onde possamos preencher o vazio que a nova realidade nos traz. é FUDIDO!

  

15 anos de heroina

Poderia falar da ressaca, das compras e vendas, das viagens, das mocas, das trips, das pessoas neste mundo, ao qual chamo cão, dos CAT, dos CRI, da disuasão para toxicidade, mas nao, depois de vir espreitar o blog Excaroxo, descobri que tinha mais de 500 pessoas por mes! isto sem postar nada em exactamente 1 ano.

Sou pai de uma criança fantastica de 13 anos, que de certa forma aceita a condição de toxicodependente, vivemos juntos numa casa sem divisoes , senão para a casa de banho, e os espaços são divididos por cortinas mal penduradas. Se ela na sala , eu na cozinha, e sempre a questionar se ela sente o cheiro a heroina fumada( ela detesta o fumo de tabaco, quanto mais o do cavalo) Ainda assim nunca me recriminou pela condição de toxico, somos os melhores amigos e nõ lhe escondo nada pois sei que sua maturidade permite encaixar as minhas aventuras sexuais, e maluqueiras que as trips de heroina me desinibem. 

Da ultima tentativa de desabituação, em Olhão na UDApara (anacronismo para Unidade de Desabituação do Algarve) feita em Outubro de 2019, fiz o desmame de metadona 30ml. 

No inicio desse fatidico ano 2019 em janeiro estava com uma dose de 70ml que considerava alta, e a fartura que tinha das idas ao CAT  de évora cuja partiucularidade que tem é de ser um CAT de Alto Limiar, ou seja, os protocolos na relação com os utentes são diferentes, para mais exigentes diga-se, e o fazer 4 km para ir ao CAT mais 5 km para ir laborar, na venda de senhas de estacionamento, labor qual deixei ha cerca de 1 ano e meio, mais 4km para casa fazia a rotina do qual cansei. 

A ida para a UDA de Olhão foi positiva pela camaradagem, e encontros sexuais que não são permitidos, com o risco de ser expulso do programa. Mas o processo de desabituação aconselho, por ser barato, por ter rotinas e sobretudo não sofrer a abstinencia por haver medicação e os 9 dias passaram a voar. O problema é que a ressaca de metadona mesmo a 30 ml nunca é menos de 3 semanas ( razão de metadona dse tardar tanto no corpo é de que os opiaceos que nós produzimos no nosso organismo são muito parecidos á metadona que é um opiaceo feito sinteticamente, logo custa mais tempo a sair do organismo, já uma ressaca de heroina demora menos de 1 semana). O sair da UDA "limpo" com um neuroléptico para ajudar a quebrar ritmos e não ter tanta vontade de consumir. Mas que ainda ressaquei umas 2 semanitas, ressaquei.. Nessa altura experimentei assistir ás reunioes dos NA, pois creio que fazer as mesmas coisas e aguardar resultados diferentes é a definição de loucura,

excaroxo 2021

 

tudo na mesma, agarrado, recaido, e recomecei a metadona com 40 ml.

Tatuagem como ocupacao, larguei o arrumar carros, e tenho a minha filhota comigo, numa casa tipo estudio onde habito ha 1 ano.